Agricultura regenerativa: o que está sendo estudado pela Fundação ABC

O nome é novo, mas basicamente são os mesmos conceitos que sempre nortearam nossa pesquisa

20/05/2022 - Atualizado há 2 anos


O apelo para uma agricultura ecologicamente equilibrada é cada vez mais forte e será assim, pois é a vontade de produtores e consumidores de alimentos. Para alcançar essa agricultura tão almejada é necessário seguir os pilares da agricultura regenerativa (figura 1), que vem sendo implantada com eficiência no grupo ABC desde a década de 1970 com a expansão do plantio direto e da pecuária leiteira. Desde então, passamos a manter os nossos solos cobertos e sem revolvimento, reduzimos substancialmente a erosão, preservando os solos e os rios, além de melhorar a eficiência da adubação mineral. Há muitos anos, os conceitos de agricultura sustentável se tornaram comuns e com ampla divulgação. A agricultura regenerativa tem como base os mesmos conceitos, de maneira mais focada nos processos que possam recuperar sistemas degradados e manter sistemas equilibrados.

Como pode ser observado na Figura 1, o primeiro pilar é entender o contexto da propriedade, e isso envolve conhecer profundamente os ambientes de produção. Os demais pilares envolvem as bases do sistema plantio direto (mínimo revolvimento, rotação de culturas, palhada e plantas de cobertura. A integração lavoura pecuária é um pilar importante, porém não é necessariamente obrigatório, se houver adequado manejo do solo no sistema agrícola.

Para avaliar a eficiência do sistema, os resultados precisam indicar melhores produtividades, estabilidade na produção (sem grandes variações em função do clima), melhoria da fertilidade (química, física e biológica do solo), aumento de matéria orgânica, não ocorrência de eventos de erosão, redução na emissão de gases de efeito estufa, adubação racional, etc.

A Fundação ABC tem desenvolvido diversos projetos de pesquisa que buscam avaliar sistemas de produção e encontrar soluções para garantir a sustentabilidade dos sistemas agrícolas e estão totalmente vinculados aos conceitos de agricultura regenerativa. Mais recentemente, a área de pesquisa em Bioinsumos foi implantada com o objetivo de intensificar a investigação de práticas relacionadas ao uso sustentável de produtos biológicos, sempre com foco no sistema como um todo.

Projeto Agrivalle:

O objetivo deste projeto é mapear os fatores limitantes da produtividade na cultura da soja e entender o porquê áreas com boas características químicas de solos apresentam produtividades abaixo da média da fazenda. Os dados obtidos darão suporte para a assistência técnica tomar decisões no sentido de correção dessas limitações.

O projeto em parceria com a Agrivalle está sendo conduzido pela Fundação ABC e foram avaliadas 86 áreas de soja no Paraná, sendo 41 fora do grupo abc e 45 dentro da nossa área de atuação, também no Paraná. Estão sendo identificados e quantificados no Laboratório de Proteção de Plantas e Bioinsumos da Fundação ABC os gêneros de nematóides Meloidogyne, Pratylenchus, Heterodera no solo e na raiz. Da mesma forma está sendo avaliado os patógenos Fusarium, Rhizoctonia, Macrophomina e Sclerotinia no solo, além do fungo benéfico Trichoderma. Para complementar esses dados estamos analisando as características físicas e química do solo (P, MO, pH, H+Al, Al, K, Ca, Mg, argila, areia e silte). Em parceria da Agrivalle com o laboratório Andrios estão sendo analisadas as enzimas do solo β-glicosidase, arilsulfatase, fosfatase ácida e fosfatase alcalina.

Demoplot com biológicos

A proposta é ser um espaço para introdução de produtos que estão sendo testados nos ensaios e para discussões internas entre setores de pesquisa da Fundação ABC e de dias de campo com produtores e assistência técnica. Estão sendo utilizado produtos indutores de resistência a doença, controles de pragas e doenças, biológicos multiplicados on farm, além de inoculante. São produtos que já passaram pelos ensaios de eficácia. Está sendo quantificado pragas e doenças semanalmente, além das coletas de solo para avaliação da influência destes tratamentos sobre a diversidade biológica no solo (DNA) e microbiologia de solo.

Levantamento de biofábricas com multiplicação on farm

Foi iniciado no final do ano de 2021 o levantamento das biofábricas em atividades no grupo ABC. O objetivo deste projeto é entender e auxiliar o produtor no controle de qualidade da produção dos seus bioinsumos. Foram desenvolvidas metodologias de análises no Laboratório de Proteção de Plantas e Bioinsumos da Fundação ABC a fim de avaliar a presença e a concentração de UFC/mL dos principais bioagentes multiplicados (tabela 1), além de mostrar se há presença de contaminantes ou não. Com os resultados mais a avaliação da eficácia, o agricultor e o técnico podem saber se estão sendo eficientes na aquisição de isolados, controle do oxigênio dissolvido, temperatura, uso de meios de culturas, presença de contaminantes e do processo de multiplicação como um todo.

Sistemas intensificados sustentáveis

Desde os primórdios do SPD na região do grupo ABC, a necessidade de utilizar plantas de cobertura no sistema sempre ficou muito evidente. No entanto, é cada vez mais importante a diversificação e intensificação do sistema para também garantir sustentabilidade econômica das propriedades rurais. Em 1989, um projeto que está no campo até hoje busca encontrar alternativas rentáveis para a safra de inverno, com diferentes opções de rotação. Esse trabalho tem mostrado as diferentes opções disponíveis para garantir rentabilidade do sistema, assim como tem demonstrado de maneira bem evidente a importância da presença de plantas vivas no sistema o maior período de tempo possível. Ao longo dos anos, diversos outros projetos foram conduzidos, e nos últimos 5 anos, outras linhas de pesquisa também foram implementadas.

Em 2018, foi implantado o projeto de sistemas intensificados, em parceria com a Bayer. O projeto consiste na avaliação de diversos sistemas de cultivo com diferentes níveis de intensificação e potencial sustentabilidade. O ensaio se encontra na quarta safra e atualmente importantes avaliações estão sendo realizadas. Além dos atributos químicos e físicos do solo analisados rotineiramente, também foram iniciadas em 2022 avaliações de gases de efeito estufa e quantificação dos nematóides Meloidogyne, Pratylenchus, Heterodera no solo e raiz no momento da semeadura e final de ciclo das culturas, coberturas de solo e pousio. Da mesma forma estão sendo avaliados os patógenos Fusarium, Rhizoctonia, Macrophomina e Sclerotinia no solo, além do fungo benéfico Trichoderma e DNA, em quatro momentos do ciclo das culturas. Na maturação fisiológica das culturas da soja e feijão será realizada avaliação visual de doenças nas raízes, com complementação de diagnose no Laboratório de Proteção de Plantas e Bioinsumos da Fundação ABC.

Sequestro de Carbono

A capacidade de sistemas agrícolas sequestrarem C tem sido discutido a bastante tempo e tem sido tema de diversas pesquisas da Fundação ABC. O ensaio de subsistemas implantado em 1989, como comentado anteriormente, tem demonstrado que o solo bem manejado tem grande potencial de acumular C no sistema, principalmente quando há produção de raízes de forma constante e ininterrupta.

Atualmente, é um tema que voltou a ser largamente divulgado, envolvendo o compromisso de diversas indústrias em reduzir as emissões. O sequestro de C está diretamente relacionado aos conceitos de agricultura regenerativa, pois é uma forma de mensurar o impacto positivo/negativo das práticas utilizadas.

No momento, além de 2 ensaios com mais de 30 anos de avaliação, também há outros ensaios mais recentes para avaliação e mensuração não apenas da quantidade de C acumulado, como também da qualidade do solo que envolve outros parâmetros igualmente importantes.

Biológicos Solos e Nutrição de Plantas

O setor de solos tem estudado os diversos microrganismos a base de inoculantes há décadas, sempre buscando o melhor entendimento de técnica de manejo e viabilidade de uso. Os estudos de coinoculação ou coquetéis de microrganismos estiveram na linha de estudos, como exemplo um estudo com Microgeo® que está na nona safra de avaliação.

Enzimas

A recente publicação de uma tabela de interpretação de enzimas (β-glicosidase, arilsulfatase) dentro das análises feitas em nosso laboratório são uma mostra do trabalho forte e objetivo que estamos fazendo na busca de indicadores da atividade microbiana no solo e como meta temos a visão geral de chegar ao índice de qualidade de solo (IQS) e a busca da evolução do sistema produtivo, como princípio deste tema, ao qual temos o Sistema Plantio Direto (SPD) como ponto de partida e nossa linha mestra, mas entendendo que o mesmo em evolução após décadas traz novos desafios de interpretação de indicadores de qualidade, afinal qual nossa evolução em produção sustentável e esta relação com a visão mais holística de manejo de solo?

 

Projeto plantas de cobertura

A busca de aprimorar o manejo das plantas de cobertura sempre foi objeto de estudo com a novidade recente de estudar as plantas em mistura (mix de plantas). Estamos avaliando qual melhor opção ao produtor, de forma sustentável, dentro das opções que surgem (no caso de misturas comerciais hoje) em relação aos novos desafios de produção e indicadores e conhecimentos gerados nos últimos anos.

Projetos de monitoramento e manejo de pragas com produtos biológicos

A intensificação do sistema de produção tem proporcionado maior retorno econômico para a propriedade rural, no entanto, o controle de pragas tem se tornado mais difícil devido a maior disponibilidade de alimento para essas pragas durante um longo período do ano. Em um cenário de preços altos de insumos é fundamental a busca por estratégias de controle que contemplem os princípios do manejo integrado de pragas (MIP). Entre elas está o monitoramento, realizado através de vistorias regulares na lavoura para acompanhar a evolução da infestação de pragas e a partir dessas informações, se dá a tomada de decisão pela necessidade ou não da intervenção.

Partindo disso, o setor de Entomologia iniciou alguns projetos para incentivar a adoção do MIP na região. Através de ações complementares e contínuas como, a capacitação de pessoas com os treinamentos de identificação e monitoramento de insetos-praga, pesquisas à campo e a condução de experimentos em áreas de produtores.

Entre as diferentes táticas de controle de pragas que compõe o MIP, o controle biológico com micro e macroorganismos ganhou grande destaque nos últimos anos, tanto pela oferta crescente de produtos registrados no mercado como também pela possibilidade do uso de bioinsumos produzidos na propriedade. Dentro desse contexto, também estão os estudos para determinar a eficácia de controle dos produtos biológicos, os quais já vem sendo realizados a quase 2 décadas na Fundação ABC, pois seu uso não deve ser pautado apenas pelo menor impacto ao meio ambiente, mas também por sua efetividade.

Ao longo desses anos de estudos, fica evidente que um manejo sustável de pragas passa pela associação de diferentes práticas, entre elas podemos destacar o monitoramento para determinar a população das pragas e seus inimigos naturais, isso independentemente do tipo de tática de controle que está sendo adotada.

Perspectivas e desafios

De modo geral, observa-se uma grande quantidade de informações relacionadas à sustentabilidade, manejo sustentável do solo, e mais recentemente, agricultura regenerativa. Nesse contexto, é de fundamental importância ter uma base de dados consolidada e validada.

O objetivo principal é ampliar essa base de dados, possibilitando encontrar padrões biológicos de solos e relacioná-los com presença de doenças, pragas e nematoides, disponibilidade de nutrientes, teores de enzimas etc. A partir daí, será possível definir a aplicação de produtos biológicos que possam contribuir no equilíbrio do sistema de acordo com uma análise de laboratório. Isso permitirá a aplicação dos bioinsumos de forma assertiva o que vem de encontro com uma visão mais moderna da utilização dessa ferramenta e que será a evolução da atual prática de aplicações inundativas/preventivas de agentes biológicos.

Além da aplicação de produtos biológicos, os resultados de ensaios focados nos sistemas de produção tendem a gerar informações que contribuem para diversas linhas de pesquisa, tais como: (i) Avaliar os efeitos a longo prazo das aplicações frequentes de defensivos químicos e biológicos dentro do sistema de produção. (ii) Avaliar a evolução da capacidade de supressividade do solo a doença ao longo dos anos de acordo com rotação e/ou sucessão de culturas utilizada pelo agricultor ou pecuarista. (iii) Predizer possíveis riscos de semeadura em áreas com histórico de doenças de difícil controle como as que colonizam e causam danos as sementes, raízes e colo das plantas. (iv) Avaliar a qualidade do solo considerando todos os componentes do sistema de produção, por meio de análises físicas, químicas e biológicas do solo.

Gabriel Barth
Paulo Gallo
Elderson Ruthes
Helio Antonio Wood Joris

 

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