“Mercado de Carbono precisa premiar quem já fez o dever de casa”

De acordo com as regras atuais do mercado, os 50 anos do Plantio Direto no Brasil não poderiam render bonificação aos produtores que utilizam a técnica conservacionista

25/11/2022 - Atualizado há 1 ano


A afirmação que é título desta reportagem é de Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, professor titular do departamento de Ciência do Solo da Esalq-USP, membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências e um dos cinco brasileiros listados pela agência Reuters como um dos Cientistas na área de clima mais influentes do mundo (Top worlds most influential climatescientists, em inglês), além de assessor de inúmeras agências nacionais e empresas ligadas ao agronegócio.

Em setembro, ele participou de um encontro com lideranças e gestores das cooperativas mantenedoras (Frísia, Castrolanda e Capal) a convite da Fundação ABC. A equipe de pesquisa da instituição e convidados da Cooperativa Agrária também estavam presentes. A realização desta reunião se deu por conta uma demanda do Comitê Técnico Científico – comitê formado por produtores, assistentes técnicos e gerentes das áreas agrícola e pecuária das cooperativas ABC que apontam as demandas a serem estudadas pela Fundação ABC – que afirmou o interesse das cooperativas no assunto de mercado de carbono na agricultura. “Diante da solicitação, achamos por bem trazer alguém experiente no assunto para primeiro alinhar o nosso entendimento sobre o assunto e depois apontar caminhos de como conduzir este tema dentro do Grupo ABC”, explicou Luís Henrique Penckowski, gerente Técnico de Pesquisa.

A afirmação do professor é com base nas linhas de base que regulam o mercado de Carbono, criadas durante a Cop26, realizada em Glasgow, na Escócia. E, da forma como estão redigidas as normas, para comprovar que uma propriedade está sequestrando carbono  é feita a medição da concentração atual no solo e dali um certo tempo se faz a conferência e se verifica o quanto aumentou. O que daria o direito ao produtor de gerar bônus para serem comercializados. “O problema é que, aqui no Brasil, onde os agricultores há anos praticam a técnica conservacionista, todo este trabalho feito não tem validade. É preciso colocar no jogo aqueles que já fizeram o dever de casa”, destacou Cerri.

Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, que é professor titular do departamento de Ciência do Solo da Esalq-USP, foi convidado pela fundação para promover um alinhamento sobre o assunto

O que o professor vem solicitando em suas apresentações e reuniões internacionais em que participa é que o mercado inclua a valorização da qualidade de carbono sequestrado no solo. Ele explicou aos presentes que o que está em alta nas discussões é a fração estabilizada, na qual o carbono permanece mais tempo no solo, como por exemplo no caso da adoção do sistema de plantio direto (SPD) por anos. “Esta proposta é muito mais vantajosa para aquilo a que se propõe, que é equilibrar a energia que entra e sai em nosso planeta. E este modelo não pode ter o mesmo valor de quem está iniciando a prática do SPD na sua propriedade. Precisa ser muito mais valorado. Porém, preciso lembrar que se trata de um assunto global com interesses distintos”, completou.

Na sequência, os pesquisadores da Fundação ABC apresentaram trabalhos que vem sendo realizados pela instituição. Alguns deles que iniciaram no fim de década de 80, como o sistema de rotação de culturas até os mais recentes, como o de intensificação sustentável de culturas. Na pecuária, também foram mostrados trabalhos, como o de manejo de dejetos em substituição dos adubos minerais. Por fim, mostrou-se ainda as oportunidades que a plataforma sigmaABC pode oferecer para contribuir no cálculo do Carbono sequestrado no grupo, já que a ferramenta conta com mais de 25 mil polígonos desenhados, que representam a geolocalização das áreas dos produtores do grupo, além dos insumos e históricos de cada polígono.

Ao final do evento, todo o grupo discutiu quais seriam as estratégias futuras a serem tomadas, se é viável realizar parcerias com agências de acesso ao crédito ou empresas que já estão atuando neste mercado. “Nós vamos agora nos reunir, entre os executivos das três cooperativas, para definir o caminho que será dado para este tema. Penso que precisamos ir com os pés no chão, sem sair no atropelo e fazendo apostas. O melhor é deixar as coisas irem acontecendo e conforme os movimentos, estarmos prontos para tomar as decisões para o bem do grupo”, analisou Adilson Fuga, presidente Executivo da Capal, que também apontou a apresentação realizada pelo palestrante como esclarecedora e com informações novas, atualizadas.

Para Adilson Fuga, presidente Executiva da Capal, o tema do encontro foi importante é muito válido, pois trata-se de um assunto que pode ser uma oportunidade e as cooperativas precisam ficar atentas

 

Por que tudo isto?

Toda esta discussão sobre sequestro de Carbono tem a ver com o aquecimento global. É que a concentração de gás carbônico (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), entre outros, vem crescendo na atmosfera e com isso, aumentando a temperatura do nosso ambiente. Segundo o professor, antes da Revolução Industrial (século XVIII) a concentração destes gases era de 240 partes por milhão (ppm) e atualmente está em 420. “Esta camada mais espessa de gases provoca o efeito estufa e consequentemente o aquecimento, que segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPPC, sigla em inglês), emitido este ano, já fez subir a temperatura média do planeta em 1,1 grau desde a revolução. E, no melhor dos cenários, deve alcançar 1,5 grau de aquecimento nas próximas duas décadas. Se passar de 2 graus, teremos mudanças climáticas irreversíveis”, destacou.

Segundo o palestrante, a queima de combustíveis fósseis é o principal emissor de gases do efeito estufa. Representa 73% no mundo todo

De acordo com a apresentação de Cerri, o setor que mais emite estes gases é o setor de energia, com a queima de combustíveis fósseis, representando 73% do todo. A responsabilidade do agro é de 22%. Porém, olhando só para o Brasil, o cenário é outro. “O desmatamento ilegal representa quase a metade. Está em primeiro com 46% de participação e o agro, 27%. Vem daí o motivo dos países estrangeiros pressionarem o nosso país nestes dois pontos”, acrescentou.

O tema não é recente. Lideranças mundiais vêm promovendo grandes reuniões para discutir a emissão de gases desde 1972, quando representantes de 113 países se reuniram em Estocolmo, na Suécia, para discutir os problemas ambientais pela primeira vez. De lá pra cá ainda ocorreram a Rio92, Kyoto97, Paris15, Cop26 – Glasgow, e neste mês, no Egito, a Cop27.

O surgimento do mercado

Legenda: Em 2021, o mercado de Carbono movimentou EU$ 760 bilhões

Em Kyoto, no Japão, os países assinaram um tratado onde todos tinham metas de redução, porém só a Europa conseguiu reduzir o estipulado. E foi aqui que começaram a surgir os tais créditos. Os países que não haviam cumprido o acordo “compravam” créditos dos países que tinham “sobrando”, porque fizeram mais do que haviam se comprometido.

A regulação desta troca só ocorreu na Cop26. “É um mercado de bilhões e que cresce rapidamente. Em 2020, estas negociações movimentaram EU$ 300 bilhões. No ano seguinte, mais que dobrou. Foram EU$ 760 bilhões”, concluiu o palestrante.

Cerri explicou ainda que foi neste encontro que os países participantes iniciaram um mercado regulado de Carbono, onde países que emitem mais podem adquirir cotas de países que ficaram acima das metas estipuladas, no acordo assinado no encontro realizado em Paris, em 2015.

Um fato importante neste mercado regulamentado é que o Brasil não participa dele. E o motivo é porque lá no encontro de 1997, os representantes do nosso governo declararam como “não industrializado”, alegando ser um país em desenvolvimento. Porém, o dinheiro começou a surgir e aí a saída encontrada para garantir a sua fatia, foi participar de um mercado que corre em paralelo ao protocolo, chamado de Mercado Voluntário.

Nele, qualquer empresa, pessoa, ONG ou governo pode gerar ou comprar créditos de carbono voluntários. Esses créditos, também são auditados por uma entidade independente, mas não estão sujeitos a registros da ONU e por isso não valem como meta de redução para os países que fazem parte do acordo internacional.

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