Estudo feito pela Fundação ABC com 44 safras mostra a tendência da produtividade de milho e soja em anos de La Niña, neutralidade e El Niño

Trabalho também responde se a intensidade deste fenômeno oceanoatmosférico influencia na produtividade das culturas de verão

11/10/2023 - Atualizado há 7 meses


Nesta edição da revista ABC nós discutiremos a relação entre o fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS) com a variabilidade da produtividade média de soja das Cooperativas ABC registrada nas últimas 44 safras de verão, com ênfase nos estados do Paraná e São Paulo. Mas o que é o ENOS?

O ENOS é um fenômeno interanual oceânico-atmosférico que ocorre sobre o Oceano Pacífico Equatorial, que influencia as condições climáticas em escala global e pode ser dividido em 2 fases principais. A fase quente ou positiva do ENOS, conhecida como El Niño é caracterizado pelo aquecimento das águas associado a redução da pressão atmosférica no Pacífico Leste. Já a situação oposta, ou seja, quando ocorre resfriamento das águas e aumento da pressão atmosférica na região Leste do Pacífico é denominada fase fria ou fase negativa, conhecida como La Niña. Na ausência destas características oceânicas e atmosféricas, temos a fase Neutra do ENOS, onde a temperatura do Pacífico oscila entre ±0,5°C em relação a média climatológica, resultando nas maiores incertezas em relação à previsibilidade das condições climáticas ao redor do globo, quando comparado as fases quente e fria do ENOS.

Todavia, vale lembrar o nosso leitor sobre a existência de outros fenômenos oceânicos e atmosféricos que influenciam o clima em nossa região como:

Oscilação de Madden-Julian (OMJ), fenômeno interanual que regula a intensidade de chuva em escala global, caracterizado por extensas áreas de convecção que se iniciam no Oceano Índico e avançam para leste em direção ao Pacífico, causando perturbações na circulação atmosférica nesta região e posteriormente sendo propagado para as demais áreas do globo;

Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), fenômeno sazonal que regula a qualidade da chuva em áreas do Norte e Nordeste do Brasil, caracterizado por uma faixa de nuvens convectivas formadas pelo encontro dos ventos vindo de ambos os Hemisfério.

 

Depois de ressaltar as diferenças, vamos evidenciar as características em comum destes eventos como as perturbações na circulação dos ventos em diferentes níveis da atmosfera e sua propagação em múltiplas escalas de espaço e tempo, através dos processos denominados teleconexões.

Em função destas interações entre múltiplos eventos e seus impactos em cada região do globo, destacamos a importância da realização de pesquisas focadas na caracterização destes padrões climáticos globais e suas alterações frente aos fenômenos oceano-atmosféricos (intra)sazonais, quanto aos estudos de caracterização dos impactos destas perturbações sobre os ambientes terrestres, com especial atenção aos países tropicais e com ampla aptidão agropecuária, florestal e energética.

No último boletim da previsão climática sazonal da Fundação ABC, publicado em 24 de agosto de 2023, evidenciamos que atualmente o fenômeno ENOS encontra-se na sua fase positiva (El Niño), com alguma divergência entre os modelos dinâmicos e estatísticos de previsão climática em relação a intensidade moderada, forte e muito forte. Neste mesmo documento também foi divulgada a análise de similaridade para a safra 2023/24, com enfoque nos principais eventos de El Niño e seus impactos sobre a chuva e temperatura nos últimos 30 anos no grupo ABC. Cooperado, entre no abcBook e faça o download deste documento!

Contudo, quando refletimos sobre o sistema de produção e as tendências atuais de intensificação e otimização de insumos, fez-se necessário a análise da produtividade do milho e da soja nas fases do ENOS, assim como a quantificação e extração de informações sobre ciclos dos principais genótipos, épocas de semeadura, sucessão e rotação de culturas, atualmente possíveis através da plataforma de integração sigmaABC, mantida pelas cooperativas Capal, Frísia, Castrolanda e Agrária. Nesta matéria, daremos destaque somente a 2 questões principais:

I) qual a tendência que devemos considerar para a produtividade do milho e da soja em anos de El Niño, La Niña ou Neutralidade?

II) a intensidade do ENOS também influencia a produtividade?

Quais são as tendências da produtividade de milho e soja em anos de Neutralidade, La Niña e El Niño?

Diante da estreita relação entre as condições oceano-atmosféricas representadas pelo ENOS versus as condições meteorológicas em superfície e seus impactos na produção de grãos, o setor de Agrometeorologia analisou a série histórica de produtividade da soja obtida na região de atuação da Cooperativas ABC no período compreendido entre os anos agrícolas de 1979/1980 e 2022/2023 (44 safras), com o objetivo de melhorar a nossa compreensão sobre a variabilidade interanual da produção de soja sob a ótica do fenômeno ENOS, olhando o passado para planejar o futuro!

Tabela 1. Série histórica da média e desvio da produtividade de milho e soja na região dos Campos Gerais e Norte Pioneiro do Paraná e Sul de São Paulo, ordenada pelas fases do fenômeno interanual ENOS.

 

Algumas considerações importantes devem ser esclarecidas neste momento:

  1. a média de produtividade de soja utilizada aqui foi a simples, pois não estávamos em posse da área agrícola realizada em cada safra para cada cooperativa [podemos melhorar isso na próxima análise];
  2. ii) por outro lado, esta média corresponde a produtividade de 3 cooperativas, cuja área de atuação predomina sobre uma região de transição climática e geomorfológica, refletindo em grande variabilidade espaço-temporal em torno da produtividade média;
  • iii) após o ajuste da série temporal da produtividade, foi realizada a correção estatística para remoção da tendência linear de ganho tecnológico proporcionado pelos avanços em biotecnologia, eficácia dos insumos, técnicas de manejo, etc., predominando apenas o efeito do clima sobre a produtividade da soja.

 

Ao observar os desvios de produtividade, nota-se na Tabela 1 a maior frequência de desvios positivos de produtividade para o milho e para a soja nas safras sem influência do ENOS, ou anos sob condição de NEUTRALIDADE. A segunda, terceira e quarta maior produtividade corrigida foram registradas nas safras 2012/13 (+963 kg/ha), 1993/94 (+910 kg/ha) e 2019/20 (+843 kg/ha) para o milho. Já para a soja, as 4 maiores produtividades foram registradas nas safras 2016/17 (+394 kg/ha), 1992/93 (+387 kg/ha), 1993/94 (+351 kg/ha) e 2012/13 (+284 kg/ha).

A sumarização dos 16 eventos de NEUTRALIDADE apresentada nas Tabelas 2 e 3, demonstram ganhos da ordem de 218 kg/ha na produtividade de milho (25% dos eventos) e 92 kg/ha na produtividade de soja (27% dos eventos), sobre a região de atuação das Cooperativas ABC. Em outras palavras, em pelo menos 69% das safras os desvios de produtividade foram positivos em ambas as culturas (Tabela 1). Tais tendências podem ser associadas a boa distribuição das chuvas durante o período de florescimento até a maturação fisiológica, boa disponibilidade de radiação solar e temperaturas favoráveis ao crescimento das lavouras.

Tabela 2. Produtividade do MILHO e desvio em relação a média histórica, em função das fases do fenômeno interanual ENOS e a intensidade do Índice de Oscilação Niño.

Por outro lado, também observamos na Tabela 1 a maior frequência de desvios negativos de produtividade, com pior resultado para as safras de milho e soja sob influência do LA NIÑA. Aproximadamente 56% das safras de milho e pelo menos 69% das safras de soja apresentaram redução das produtividades em função da fase fria do ENOS. Os resultados sumarizados (Tabelas 2 e 3) indicam perdas média de 126 kg/ha e 69 kg/ha para o milho e soja respectivamente, em safras sob LA NIÑA.

Estas tendências evidenciam a maior sensibilidade/exigência do milho em relação as condições climáticas, quando comparado à soja. Outro fator provável de influência pode ser a diferença até então no calendário de semeadura destas culturas, cujo atraso de 10-20 dias na soja resulta em menor exposição ao risco de eventos como veranicos e temperaturas elevadas, geralmente posicionadas na segunda quinzena de novembro e primeira de dezembro.

Por fim, destacamos as safras sob influência do EL NIÑO, representado por apenas 12 eventos nos últimos 44 anos (28%) e onde podemos esperar os menores desvios (entre 11 e 16%) em relação a média de produtividade regional (Tabelas 2 e 3 em verde). Outro fato interessante a se destacar é que na maioria dos anos sob influência da safra quente do ENOS, os desvios ocorrem nas mesmas safras tanto para de milho quanto para soja, diferente do observado na fase neutra e da fase fria.

Ou seja, podemos inferir que as condições climáticas de volumes de chuva acima da média, elevação das temperaturas mínimas, maior saturação de vapor de água na atmosfera, e menor disponibilidade de radiação solar, frequentes em safras sob influência do EL NIÑO, modulam o potencial produtivo das principais culturas de verão na região de atuação das Cooperativas ABC, assim como a velocidade e taxa de crescimento de doenças e pragas agrícolas. O lado positivo é que a média de produtividade das cooperativas apresenta menor variabilidade em função de época de semeadura, tipo de solo, balanço nutricional ou manejo do produtor em função do nível de investimento ou tecnológico. Por outro lado, podem ser mais raros os casos de interação entre genótipo, clima, solo e manejo, o que resultaria em menores picos de alta produtividade.

 

Qual a relação entre a produtividade de milho e soja em anos de El Niño fraco, moderado ou forte?

No item anterior, destacamos que as melhores produtividades nas safras de verão ocorrem sob influência da fase NEUTRA do ENOS. Contudo, conforme relatado na última atualização da previsão climática, a safra 2023/24 ocorrerá sob influência do El Niño com intensidade de “moderada” ou “forte”, com alguns poucos modelos indicando intensidade “muito forte”. Mas o que muda em relação as tendências climáticas na região das Cooperativas ABC nestas diferentes categorias de intensidade do El Niño?

A análise sobre os registros agrometeorológicos em diferentes categorias de intensidade do El Niño apontam um aumento no volume e distribuição das chuvas. Por sua vez, o produtor deve se lembrar do reflexo da chuva sobre a saturação de vapor de água na atmosfera, redução da radiação solar em superfície e elevação das temperaturas mínimas do ar. Nestas condições, podemos teoricamente afirmar que uma planta C4 (milho) teria maior dificuldade de conversão fotossintética e menor eficiência na absorção de água que uma planta C3 (soja), que por sua vez são mais eficientes em condições típicas de El Niño.

Contudo, apesar desta análise ter sido realizada apenas com 12 eventos de El Niño ocorridos nas últimas 44 safras, os resultados contidos na Tabela 4 colaboram com esta teoria, pois o maior desvio negativo sobre a produtividade do milho ocorreu nos eventos categorizados como “muito forte”, em contraponto com a soja. Já as demais tendências observadas nesta categorização da produtividade por intensidade do El Niño não representam uma lógica teórica e nem mesmo uma relação de causa efeito, sendo necessários uma série histórica maior para tentativa de extrair mais hipóteses a serem estudadas.

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