Estratégias para o manejo da resistência de doenças e plantas daninhas a agroquímicos

03/06/2024 - Atualizado há 2 meses


 

Por meio da simples rotina de observar a propriedade rural, o produtor e/ou a assistência técnica têm ajudado a Fundação ABC na identificação dos principais gargalos na qualidade e produção de grãos, assim como na elaboração de melhores hipóteses a serem estudadas a cada nova safra. Entre estes relatos, afirmações como “o produto ficou fraco” e “o produto está perdendo a eficiência de controle” se destacam entre as demais demandas, pois evitar a resistência de doenças, pragas e plantas daninhas aos mais diversos métodos de controle (químico, biológico, genético, etc.) é considerada uma estratégia crucial para toda a cadeia de produção. Desta forma, a realização e priorização de boas práticas agrícolas com foco no manejo da resistência a agroquímicos foi o assunto principal dos setores de Fitopatologia, Herbologia e Agrometeorologia, durante o 27º Show Tecnológico de Verão, realizado em fevereiro de 2024 no Campo Experimental de Ponta Grossa.

Qual é a finalidade e o principal desafio no manejo da resistência a agroquímicos?

A finalidade do manejo da resistência aos agroquímicos é prevenir ou postergar ao máximo o acúmulo de indivíduos resistentes dentro de uma população alvo (insetos-praga, fungos, plantas invasoras). Desta forma, as populações de um organismo que nunca foram expostas a um agroquímico serão completamente suscetíveis devido à baixíssima frequência de gene de resistência dentro desta população-alvo. O desafio está centrado na redução da pressão de seleção para resistência mantendo um nível adequado de proteção da cultura. Assim, torna-se necessário o conhecimento dos mecanismos da resistência, os riscos de seleção de populações resistentes aos agroquímicos, os fatores chave envolvidos, e as estratégias e táticas de controle. Em caso de dúvida, consulte sempre o seu engenheiro agrônomo!

Como está o cenário de fungicidas com relatos de resistência pela ferrugem da soja?

A alta variabilidade genética e adaptabilidade da ferrugem da soja demanda atenção especial da pesquisa em Fitopatologia da Fundação ABC, assistência técnica e do produtor rural no manejo da ferrugem da soja. Além das sugestões contidas no item anterior, preconizamos outro conjunto de ações para mitigar o manejo da resistência aos agroquímicos, como a manutenção do vazio sanitário, eliminação das plantas hospedeiras, planejamento de fungicidas em função da previsão climática (El Niño geralmente resulta em maiores perdas de soja por falta de controle da ferrugem), época de semeadura, escolha dos cultivares, rotação do modo de ação de fungicidas, e associação de fungicidas protetores (multissítio) aos sítios específicos (triazóis, estrobilurinas, carboxamidas, etc).

Em 2007, aproximadamente 5 anos após a utilização de triazóis, surgiram os primeiros relatos de perda de eficácia desses ativos. Depois de mais 5 anos, em 2012, foi a vez das estrobilurinas, sendo constatada resistência genética nas populações do fungo, e o caso mais rápido ocorreu na safra 2015/16 com o grupo das carboxamidas (FRAC). Em resumo, a ferrugem da soja atualmente apresenta mutações que conferem resistência quantitativa aos três principais grupos químicos de fungicidas sítio-específico. Todos precisamos estar atentos às práticas agrícolas citadas acima. Dados sumarizados do setor de Fitopatologia da Fundação ABC demonstram a importância da utilização dos fungicidas protetores e/ou multissítios nas aplicações desde a fase reprodutiva da soja, proporcionando incremento significativo no controle da ferrugem da soja na ordem de 30%, o que resultará ao final do ciclo na manutenção do teto produtivo da cultura.

O conhecimento da previsão climática para a safra seguinte é de suma importância, apesar de não poder ser controlada, é essencial para determinar as estratégias de manejo. Em safras em que há a ocorrência do fenômeno atmosférico oceânico conhecido como El Niño, caracterizado por um aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico e presente durante a safra 2023/24, apresenta condições favoráveis ao desenvolvimento da ferrugem da soja, com maior severidade quando comparado a anos com La Niña. Esse cenário pode ser justificado devido a algumas características, como a ocorrência de um inverno menos rigoroso (anos de El Niño), com ausência de geadas, como durante a safra de inverno 2023, aumentando consideravelmente a quantidade de inóculo inicial presente em sojas guaxas e perenes logo no início da semeadura de áreas comerciais.

Outro fator importante, é a frequência e distribuição das precipitações associadas a temperatura do ar mais elevadas, proporcionando condições ambientais favoráveis para o processo de infecção do fungo na superfície da folha. O intervalo (mínimo 4 horas) entre a aplicação e a ocorrência da chuva após a aplicação do fungicida é um componente fundamental para o bom manejo da Ferrugem da Soja.

E no caso da resistência de plantas daninhas, como caruru aos herbicidas, qual é o cenário no Grupo ABC?

Segundo o setor de Herbologia, o caruru (Amaranthus hybridus) mereceu destaque nesta edição do Show tecnológico de Verão, por se tratar de um biótipo resistente e determinados grupos de herbicidas, como por exemplo o glifosato e aos herbicidas inibidores da ALS. No que diz respeito a plantas daninhas, a identificação do alvo e o conhecimento da biologia da planta é extremamente importante, principalmente tratando-se de uma espécie/biótipo de planta resistente, como é o caso do caruru, onde algumas características são fundamentais e, o entendimento destas, irá auxiliar na melhor estratégia de
manejo, como por exemplo:

1) A velocidade de desenvolvimento da planta, que se tratando de caruru pode apresentar um crescimento de 3 a 4 cm por dia, sendo este um ponto de atenção importante para aplicação no momento correto, do melhor herbicida e na dose recomendada para garantir o sucesso de controle desta planta.

2) Produção de até 200 a 600 mil sementes por planta, indicando que o controle deve ocorrer no início  do desenvolvimento da planta para evitar a proliferação de novas populações.

3) Alto potencial de competição com a cultura de interesse, podendo chegar até 2 metros de altura, reduzindo ignificativamente o potencial produtivo da cultura de interesse. De maneira geral, o controle de plantas daninhas não ocorre apenas com uma aplicação, mas através do sistema de manejo integrado com uma boa dessecação das áreas na pós-colheita e pré-semeadura das culturas, plantio das culturas no limpo com adoção de herbicida residuais (préemergentes) que é a principal ferramenta que nós temos
no cenário da resistência do caruru e também de outras espécies de plantas daninhas resistentes aos herbicidas que incidem sobre as áreas cultivadas, promovendo o desenvolvimento inicial das culturas no limpo, evitando a perda de potencial produtivo por mato competição, além de reduzir o banco de semente das plantas infestantes, bem como facilitar o controle do pós-emergente aplicado sobre a cultura evitando o aumento de dose e a ocorrência de fitotoxicidade, auxiliando na obtenção de áreas mais limpas.

 

Como a Agrometeorologia pode ajudar no manejo da resistência a agroquímicos?

uso de tecnologias de aplicação que propiciem ganhos de eficiência na cobertura e penetração do volume de calda, a escolha de formulações adequadas, a definição do modo de aplicação para cada alvo agrícola, além da redução da variabilidade espaço temporal da concentração do ingrediente ativo pulverizado sobre os alvos de interesse agronômico são estratégias válidas e essenciais
no manejo da resistência aos agroquímicos.

Contudo, o atendimento a alguns conceitos agrometeorológicos pode ser decisivo no resultado do controle, mitigando o risco de seleção de indivíduos resistentes a agroquímicos e até mesmo otimizando o tempo de vida de alguns produtos. Podemos dividir estes conceitos em 3 tipos de informação: a climatologia, o monitoramento e a predição de fatores diretamente relacionados com o controle de alvos agrícolas.

1) Climatologia aplicada ao planejamento do período trabalháveis= séries históricas de até 20 anos originadas na rede de estações automáticas em superfície foram processadas com o intuito de estabelecer um período do dia mais favorável para a operação de pulverização de agroquímicos, com foco nos cultivas de verão. Dados processados nas estações meteorológicas da Fundação ABC indicam que o período mais favorável ocorre entre as 6 e 11 horas.

 

2) Monitoramento agrometeorológico aplicado ao manejo da resistência = durante a pulverização, os principais fatores atmosféricos a serem observados para uma boa pulverização são:

• temperatura do ar = influencia diretamente no potencial de evaporação da gota e na atividade fisiológica das plantas= ideal entre 1 O e 30ºC
• umidade relativa do ar = influencia diretamente no potencial de evaporação da gota = ideal acima de 60% (presença de orvalho pode diluir o agroquímico, causar escorrimento ou aumentar a fitotoxicidade pela combinação com a radiação solar)
• velocidade do vento = evitar momentos de calmaria e/ou inversão térmica, assim como ventos intensos que resultam em risco de deriva = ideal entre 3 e 8 km/h.
• na prática, alguns autores sugerem o uso de algumas tabelas com combinações de temperatura e umidade, com sugestões de classes de gotas (Tabela 1):

3) Monitoramento e previsão de curtíssimo prazo das áreas de instabilidade atmosférica= o uso de imagens de radares meteorológicos dopplers em tempo quase real, a cada intervalo de 10  minutos, associada a possibilidade de tracking das áreas de instabilidade e desenvolvimento de modelos de previsão em curtíssimo prazo é chamado de nowcasting. O uso destas informações ajuda a planejar a pulverização com antecedência de poucas horas, visando garantir um intervalo de pelo menos 4 horas sem chuva após a pulverização.

4) Identificação e quantificação das perdas de agroquímicos por lavagem da chuva= conhecido pelo nome de rainfastness, esta linha de pesquisa visou identificar as perdas de agroquímicos e o estabelecimento dos intervalos mínimos sem chuva após uma pulverização (horas). Entre os resultados principais, observa-se na Figura 6 perdas do agroquímico da ordem de 20 até 60% no tratamento de 4 horas sem chuva, em relação ao tratamento sem a incidência de precipitação. Nestes casos, também foram observadas tendências significativas e diretas entre o intervalo sem chuva após a pulverização com a eficiência no controle do alvo agrícola, assim como com as maiores produtividades, principalmente em cenários de maior incidência do alvo agrícola.

5) Desenvolvimento de modelos matemáticos para estimativa do período residual = uma vez que a calda de pulverização foi depositada sobre o alvo, no caso das plantas, os mecanismos de absorção, evaporação, degradação e perda do agroquímico são influenciados por fatores ambientais. Com base nesta afirmação, hipóteses científicas foram elaboradas, com o intuito de identificar quais fatores ambientais influenciam estes processos, além do desenvolvimento de modelos matemáticos para auxiliar a tomada de decisão sobre os intervalos de reentrada. Os resultados se mostraram muito promissores, com alta concordância entre os valores de perda de agroquímicos preditos versus os estimados (Figura 7).

6) Operacionalização dos modelos de perda de agroquímicos (%) e estimativa do período residual (dias) na plataforma sigmaABC = a partir dos resultados obtidos por meio da realização de experimentos entre 2008 e 2017, associados a aplicação de técnicas estatísticas e computacionais, os modelos desenvolvidos foram inseridos na plataforma digital desenvolvida pela Fundação ABC chamada sigmaABC (Figura 8). Ou seja, após o planejamento e recomendação de agroquímicos, ao realizar a data dentro do sigmaABC o produtor cooperado “recebe” em troca uma opção
de “simulação” dentro do menu de avaliações de campo, onde é possível acompanhar o resultado do período residual estimado por 5 modelos matemáticos, que levam em consideração a variação dos fatores atmosféricos após a pulverização do agroquímico para estimar os processos de absorção, evaporação, degradação e perda.

 

 

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