12/06/2024 - Atualizado há 5 meses
Em 1989, os produtores da região dos Campos Gerais tinham muitos desafios, no início do SPD. Um deles era ter um sistema rentável e ao mesmo tempo favorável para a qualidade do solo. Um ensaio com diferentes ideias de sequências de culturas foi instalado para tentar responder essas dúvidas. Ao longo dos últimos 35 anos, esse ensaio gerou dados muito importantes para entender os caminhos de uma agricultura rentável e sustentável. Aqui, compartilhamos alguns aprendizados.
Na última edição do Show Tecnológico de Verão, foram apresentados os resultados e os principais aprendizados de um dos ensaios mais antigos de plantio direto do país. Desde 1989, a Fundação ABC conduz esse ensaio com o objetivo de avaliar os impactos no solo, na produtividade e na rentabilidade em sistema plantio direto em um ensaio instalado em Ponta Grossa-PR.
Na ocasião do evento, foi aberta uma trincheira com mais de 1,5 m de altura, com o objetivo de observar melhor o solo e, principalmente, os sistemas radiculares das culturas instaladas (Figura 1).
Mas, afinal, por que conduzir ensaios durante tanto tempo? Qual a importância disso?
Ao observar resultados por longo período no mesmo ensaio, é possível identificar tendências, padrões e potenciais desafios que podem não ser tão aparentes em estudos de curto prazo. Portanto, os ensaios de longo prazo desempenham um papel fundamental no desenvolvimento de práticas agrícolas mais rentáveis e sustentáveis, auxiliando o produtor a ter rentabilidade e qualidade do solo para as próximas gerações sob diferentes cenários e desafios no presente e no futuro.
Conhecendo o experimento
O principal foco desse estudo, desde o início, é a sustentabilidade do negócio dos produtores. Como garantir rentabilidade constante a médio e longo prazo, sem comprometer a qualidade do solo? Aqui, é importante relembrar o cenário de 1989. O sistema plantio direto estava ainda com muitos desafios, embora já utilizado em larga escala na nossa região. E o cenário dramático de perdas expressivas de solo por erosão era algo ainda muito presente no cotidiano dos produtores. Estava bem clara a importância da palhada e do não-revolvimento do solo. Porém, como encaixar culturas que pudessem oferecer rentabilidade sem comprometer a produção de palha?
Visando enfrentar esses desafios, foi implementado em 1989 esse ensaio, testando diferentes sistemas de rotação/sucessão de culturas, todos em sistema plantio direto (Tabela 1). Desde então, o solo nunca mais foi revolvido, e as sequências permaneceram inalteradas, por 35 anos. Como pode ser observado, os sistemas testados têm diferentes níveis de diversidade de culturas, assim como de objetivos.
Tabela 1. Sistemas de rotação de culturas avaliados no ensaio desde 1989.
Resultados do ensaio – Produtividade de grãos
Nesse ensaio, as principais culturas a serem consideradas quando se tem o objetivo de avaliar o impacto da rotação sobre a produtividade de grãos são o trigo e a soja.
O trigo foi a cultura mais afetada pelos diferentes sistemas de rotação de cultura. No sistema trigo-soja a produtividade do trigo foi inferior na maior parte das safras quando comparada com a produtividade do sistema 2 e 4. Esse efeito é um reflexo principalmente da maior ocorrência de patógenos que se multiplicam nos restos culturais, como é o caso dos patógenos causadores de doenças como o mal-do-pé e manchas foliares.
A produtividade da soja foi afetada também pela rotação de culturas, no entanto o efeito na soja depende do período considerado. De 1989 até 2006, na grande maioria das safras avaliadas a soja apresentou menor produtividade de grãos no sistema trigo-soja em comparação com os sistemas mais diversificados. Por outro lado, a partir de 2006 essa diferença não foi mais observada. O principal fator que explica esse fato é a entrada da ferrugem asiática da soja e o início do uso de fungicidas na cultura. Com o uso de fungicidas, a maioria das doenças de final de ciclo também passaram a ser controladas. No entanto, é interessante observar também que a partir de 2016 essa diferença retornou, ou seja, a produtividade de soja foi superior nos tratamentos 2 e 4 em comparação com o sistema 1 (trigo-soja).
Cabe ressaltar que nos últimos 10 anos houve uma evolução muito grande no potencial produtivo das variedades de soja, que se tornaram mais precoces, mais produtivas, e, consequentemente, muito mais exigentes. Se tornou comum também a ocorrência de outras doenças que permanecem nos restos culturais, como é o caso da Macrophomina e do mofo branco. Esses resultados mostram claramente a importância de um estudo de longo prazo para esse tipo de avaliação. Dependendo do período considerado, a conclusão pode ser totalmente diferente. No entanto, ao considerarmos o cenário completo, é muito claro que o sistema pode beneficiar a produtividade da soja quando é mais diversificado, principalmente sob condições de alto potencial produtivo.
Qualidade do solo: Aprendizados importantes
A qualidade do solo (ou saúde do solo) é um fator fundamental a ser considerado nos sistemas agrícolas. É sempre importante relembrar que o solo é o principal patrimônio que o produtor possui. Se não houver qualidade no solo, não há produção, não há rentabilidade e, consequentemente, não há produtor.
A qualidade física do solo em função dos diferentes sistemas de produção está sendo avaliada e há diversas variáveis que precisam ser consideradas e que estarão relacionadas com a capacidade de armazenamento de água e ambiente para crescimento de raízes. Nesse momento, foi usada a avaliação de densidade do solo para ter um panorama geral da física do solo avaliado. Os sistemas com alfafa e azevém apresentaram valores mais favoráveis, embora essa resposta seja dependente da profundidade avaliada. O maior aprendizado nesse caso é a importância de culturas com grande volume de raízes, como é o caso da alfafa e do azevém.
A qualidade química do solo foi influenciada principalmente pelo manejo de adubação e correção utilizado. De modo geral, foi possível observar aumentos nos teores de fósforo (P), potássio (K) e enxofre (S) nos sistemas onde houve maior adição desses nutrientes, como é o caso do sistema 6. Com relação ao K, há em geral maior concentração desse nutriente nas camadas mais superficiais nos sistemas com milho na rotação. Esse efeito é bem conhecido, uma vez que o milho normalmente extrai altas quantidades de K em diferentes camadas, porém exporta uma pequena fração da quantidade extraída. Desse modo, a palhada se decompõe e o K fica concentrado na superfície. Tal dinâmica foi visível ao abrir a trincheira: as raízes de milho se desenvolvem a camadas superiores a 1,5m de modo que reciclam este K de camadas profundas.
A acidez do solo foi corrigida periodicamente, sempre que a análise de solo indicava a necessidade de calagem. A correção foi feita de maneira individualizada para cada tratamento. Foi possível observar que alguns sistemas com grande aporte de adubação nitrogenada, como é o caso do sistema 5, com azevém anualmente, a acidez está em níveis elevados, mesmo com as correções comumente realizadas. De modo geral, o que se observa é uma relação direta da adubação nitrogenada sobre a acidificação, o que confirma de maneira clara que esse é o principal fator a ser considerado na acidificação do solo em sistema plantio direto.
A qualidade biológica do solo tem sido avaliada mais recentemente. A avaliação de enzimas no solo (arilsulfatase e betaglucosidase) tem sido amplamente utilizada para aferir a qualidade do solo do ponto de vista biológico. Nesse ensaio, a avaliação dessas enzimas (Figura 4) indicaram maiores níveis de arilsulfatase nos sistemas mais diversificados. Por outro lado, quando se observa a betaglucosidase, o sistema 6 (alfafa-milho) foi superior aos demais. De modo geral, a concentração de betaglucosidase se relaciona diretamente com a dinâmica de C e N no solo.
Uma das informações mais importantes desse estudo é o estoque de carbono (C) no solo. A importância desse dado é pelo fato de que a dinâmica de C no solo reflete praticamente todos os parâmetros de qualidade do solo. Carbono está intensamente relacionado a aspectos físicos, químicos e biológicos do solo. Em geral, houve grande diferença no estoque de C do solo. Os sistemas alfafa-milho (6) e ervilhaca-milho-aveia-soja-trigo-soja (2) apresentaram maiores valores de C no solo. Isso está relacionado à grande atividade biológica que é observada nesses sistemas, tanto pela maior diversificação (sistema 2) ou pelo grande aporte de N e crescimento radicular constante (sistema 6).
Portanto, considerando a qualidade do solo, os sistemas que apresentaram melhores resultados foram o sistema 2 (ervilhaca-milho-aveia-soja-trigo-soja) e o sistema 6 (alfafa-milho).
Rentabilidade – Sustentabilidade econômica do sistema
Um dos grandes objetivos desse projeto sempre foi avaliar a rentabilidade em longo prazo. Esse tipo de projeto fornece informações muito importantes para avaliação do resultado financeiro ao considerar uma perspectiva de longo prazo, sob influência portanto de diversos fatores políticos, econômicos climáticos. Os resultados financeiros nos mostraram que há diferenças importantes dependendo do recorte histórico. Esses resultados isolaram apenas os sistemas exclusivos para produção de grãos. De modo geral, foi observado que, principalmente no período em que não houve grandes diferenças na produtividade de soja em função do sistema, o sistema 1 (trigo-soja) foi o mais interessante do ponto de vista econômico, entre 2004 e 2018. Esse período se destacou também pelo mercado de soja normalmente muito mais favorável que outras culturas, como milho e trigo. Importante observar, no entanto, que nos últimos 4 anos, que foi um período de alta rentabilidade para todas as culturas, o sistema 4 (aveia-milho-trigo-soja) foi o mais rentável.
O resultado econômico mostra claramente a importância de ter mais colheitas por ano, que é o que ocorre no sistema trigo-soja. Este sistema tem 2 colheitas visando rentabilidade por ano, ao passo que os demais sistemas têm valores menores deste indicador. Importante ressaltar que foi essa uma das principais preocupações dos pesquisadores em 1989: Como garantir menor dependência da safra de verão para ter mais rentabilidade de forma sustentável.
Considerações Finais
Ao observar os dados de rentabilidade acumulada do ensaio, é possível chegar a uma conclusão simples e fácil: O sistema trigo-soja foi o que gerou maior rentabilidade e, portanto, é o sistema mais adequado. Também é possível chegar a outra conclusão simples e fácil: Como o solo é o maior patrimônio do produtor, e o sistema que garantiu melhor qualidade do solo foi o sistema alfafa-milho, então esse é o melhor sistema. Ou, considerando apenas produção de grãos, poderia indicar o sistema ervilhaca-milho-aveia-soja-trigo-soja. O fato é que essas conclusões não estão corretas.
Com esse ensaio, foi possível aprender alguns conceitos importantes que precisam nortear qualquer sistema de produção, principalmente para produção de grãos em SPD. A importância de ter raízes vivas no sistema a maior parte do tempo é um exemplo. O sistema alfafa-milho, embora inviável em larga escala, mostra claramente os benefícios para o solo ao ter uma leguminosa que permanece viva no solo desenvolvendo raízes e aportando N. Outro exemplo é a diversificação de espécies, garantindo que resíduos culturais de uma cultura sejam decompostos antes de essa cultura retornar. Isso garante estabilidade na produção, algo que não foi observado no sistema soja-trigo em alguns períodos. Outro conceito importante, como comentado acima, é a necessidade de ter em média pelo menos 2 colheitas/ano para ter bons resultados financeiros.
Portanto, não é possível definir de maneira fácil ou simples qual o melhor sistema. Afinal, estamos falando de muitas variáveis, em um sistema complexo que é influenciado por muitos fatores. A decisão da sequência de culturas deve ser tomada com base primeiramente no ambiente. Conhecer o tipo de solo, a aptidão, o clima, o histórico, o cenário político-econômico e as oportunidades da região são questões fundamentais que precisam ser consideradas.
A intensificação sustentável dos sistemas tem se mostrado como o caminho mais promissor para aliar rentabilidade com qualidade do solo. É importante destacar que atualmente há tecnologias que não existiam em 1989 e que possibilitam trabalhar com 2 culturas no verão, por exemplo. É importante que ao intensificar o sistema, a qualidade do solo seja sempre monitorada e esforços são necessários para garantir a sustentabilidade do sistema. Minimizar ao máximo o período de pousio é um dos pontos cruciais para o sucesso nesse modelo. Ao olhar os sistemas 2, 3 e 4, por exemplo, é possível pensar em alternativas para aumentar a quantidade de colheitas por ano, potencialmente melhorando a rentabilidade do sistema.
O sucesso financeiro de uma propriedade sempre será altamente dependente da qualidade do solo. Mas se o produtor não tiver rentabilidade, dificilmente ele terá condições de investir na qualidade do solo. Portanto, o fundamental é que a propriedade tenha um sistema que permita entrar em um ciclo virtuoso, onde alta rentabilidade em médio e longo prazo permita investimentos que favoreçam a qualidade do solo. Com mais qualidade do solo, é natural esperar maiores níveis de produtividade, alavancando ainda mais a rentabilidade. Alguns caminhos para chegar a esse patamar são os principais aprendizados desse ensaio, que sem dúvida nenhuma ainda terá muito a nos ensinar.