Influência de aspectos fitotécnicos, uso de inseticidas e tecnologia de aplicação no manejo da cigarrinha-do-milho

17/06/2024 - Atualizado há 4 meses


Este texto representa um resumo do trabalho técnico de pesquisa dos setores de Entomologia, Forragens & Grãos e MAAP (Mecanização Agrícola e Tecnologia de Aplicação), qual foi apresentado no 27º Show Tecnológico de Verão da Fundação ABC em Ponta Grossa (PR), 2024.

Atualmente a área agrícola do grupo ABC ultrapassou a barreira de 600 mil hectares de área física. Dentre as principais culturas, o milho tem grande destaque na Fundação ABC, atuando com cerca de 200 mil hectares, representado por próximo de 100 mil ha na safra de verão e 100 mil ha na segunda safra (safrinha) que neste caso, atendem os estados de PR, SP, MG, DF, GO e TO, quais estão presentes no grupo.

Nos últimos anos a cigarrinha-do-milho, Dalbulus maidis, se tornou uma das principais preocupações dos agricultores e pecuaristas que cultivam milho. Por se tratar de um inseto-vetor de patógenos, dependendo da época de infecção e suscetibilidade do genótipo podem ocasionar perdas de até 100%.

A cigarrinha é um inseto sugador, ocasionando danos diretos em milho, porém, seu potencial de dano é elevado por se tratar de um inseto-vetor dos patógenos espiroplasma (Spiroplasma kunkelii), fitoplasma (Maize bushy stunt; MBS-fitoplasma) e do Maize rayado fino virus (MRFV), agentes causais das doenças sistêmicas do milho denominadas enfezamentos e vírus da risca, respectivamente. O espiroplasma e o fitoplasma são microrganismos procariontes, sem parede celular, e pertencem à classe Mollicutes, sendo denominados comumente como molicutes. 

Uma mesma planta de milho pode ser infectada por apenas um ou, simultaneamente, por ambos os molicutes, por esse motivo, a dificuldade em diferenciar os enfezamentos com base apenas no diagnóstico visual da planta. Os sintomas são similares e podem ser influenciados pelo genótipo de milho, condições climáticas e o momento em que plântula foi infectada, podendo ocorrer infecção simultânea dos molicutes com o vírus da risca e com o vírus do mosaico comum do milho, este último transmitido por pulgões, por este motivo se tem utilizado o termo “Complexo de Molicutes e Vírus” ao se referir a esses patógenos. Geralmente, a infecção com os molicutes ocorre nos estádios iniciais de desenvolvimento do milho, porém os sintomas e os danos causados por esses patógenos aparecem na fase reprodutiva das plantas. 

Plantas com enfezamento formam menos raízes que as plantas sadias, apresentam internódios mais curtos, podem se tornar pequenas e improdutivas.

Sintomas foliares dos enfezamentos caracterizam-se pela descoloração nas margens e na parte apical das folhas e, em seguida, secamento ou avermelhamento nas folhas superiores da planta, a intensidade do avermelhamento é variável conforme o genótipo de milho.

As espigas têm tamanho reduzido, falhas no enchimento de grãos e grãos “chochos”. Podem ocorrer outros sintomas como proliferação de espigas, brotamento nas axilas das folhas, má formação das palhas das espigas.

Dependendo da região de plantio e do nível de resistência do genótipo de milho, as plantas com enfezamento podem ser colonizadas por outros patógenos como Phytium spp., Diplodia spp. e Fusarium spp., provocando a quebra e acamamento de plantas.

O Maize rayado fino virus (MRFV) caracteriza-se pelos pontos cloróticos paralelos às nervuras secundárias das folhas, que coalescem e apresentam aspecto de riscas, claramente visíveis quando observados contra a luz do sul. Esses sintomas manifestam-se nas folhas em curto período após a infecção, independente do estádio da cultura do milho.

O Maize rayado fino virus (MRFV) caracteriza-se pelos pontos cloróticos paralelos às nervuras secundárias das folhas, que coalescem e apresentam aspecto de riscas, claramente visíveis quando observados contra a luz do sul. Esses sintomas manifestam-se nas folhas em curto período após a infecção, independente do estádio da cultura do milho.

A cigarrinha do milho tem preferência por colonizar plantas de milho na fase inicial do estabelecimento da cultura, principalmente de VE (emergência) a V8 (8 folhas expandidas). Esse inseto-vetor tem a cultura do milho como hospedeiro obrigatório para a sua multiplicação, porém pode utilizar outras gramíneas como “plantas abrigo”, cultivadas ou plantas daninhas.  

É importante ressaltar que a evolução da ocorrência do complexo de molicutes e vírus na região sudeste e sul do país está diretamente relacionada à intensificação do sistema de produção, a ampliação das épocas de semeadura (safra e segunda safra) e a grande quantidade de milho voluntário (tiguera) na entressafra, possibilitando a manutenção de plantas de milho disponíveis por um maior período para a alimentação da cigarrinha contaminada, promovendo modificações importantes na dinâmica populacional dessa praga,  com populações elevadas do inseto não apenas no milho segunda safra mas também nas áreas semeadas no final do mês de agosto e início de setembro.

O manejo do complexo de enfezamentos requer ações preventivas para redução das fontes de inóculo e para redução dos níveis populacionais da cigarrinha, ações estas que devem ser adotadas por todos os produtores de milho na região, ressaltando que não há uma única medida altamente efetiva que aplicada isoladamente possa controlar o complexo de enfezamentos.

temos que lembrar de alguns conceitos como a taxa de aplicação (L/ha) e o tamanho de gotas. É conhecido que esses dois fatores impactam diretamente na cobertura do alvo, portanto dependendo da aplicação a ser realizada e o alvo, é possível adequar esses fatores para se obter o mínimo de cobertura necessária para ter um bom controle. Geralmente, quanto menor a gota e maior a taxa de aplicação, maior será a cobertura do alvo.

Sendo assim, os produtores que trabalham com taxas menores como 40 a 60 L/ha precisam trabalhar com gotas mais finas para conseguir manter um mínimo de cobertura, enquanto produtores que trabalham com taxas acima de 100 L/ha têm mais flexibilidade para utilizar tamanhos de gotas maiores em caso de condições ambientais adversas, com temperaturas acima de 30ºC, umidade abaixo de 50% e velocidade do vento acima de 10 km/h, e com isso conseguem reduzir a perda por deriva. Com exceção às aplicações de herbicidas sistêmicos, que permitem trabalhar com taxas menores e gotas mais grossas.

Levando em conta um compilado de 10 anos de pesquisas realizadas na Fundação ABC, do ponto de vista da eficácia de controle de pragas e doenças, a taxa de aplicação historicamente tem um impacto maior sobre o sucesso da aplicação quando comparado ao tamanho de gotas, ou seja, em anos de alta pressão de pragas ou doenças foram observadas uma redução no controle quando utilizando taxas menores, mesmo trabalhando com gotas mais finas. Os resultados preliminares dos ensaios para controle da cigarrinha no milho apontam no mesmo sentido, os tratamentos com taxas menores (50 L/ha), mesmo com gotas mais finas estão entregando um controle menor do que as taxas de 100 L/ha com gotas médias.

Uma tecnologia que vem crescendo a adoção é o monitoramento em tempo real das condições ambientais no momento da aplicação com uso de pequenas estações meteorológicas instaladas no próprio pulverizador, permitindo que o operador possa tomar a decisão de parar uma aplicação ou adequar a ponta de pulverização para a situação atual. E outra ferramenta que pode auxiliar e trabalhar em conjunto com os dados ambientais é o uso de discos rotativos no lugar das pontas de pulverização, como os utilizados nos drones, pois permitem a alteração do tamanho de gota sem precisar parar a operação. Sistemas como esse para instalação na barra do pulverizador já está sendo oferecido na Argentina.

E uma outra ferramenta que também está sendo testada na Fundação ABC são os sensores ópticos instalados na barra do pulverizador que conseguem identificar quando tem uma planta viva e acionar uma válvula PWM que abre a ponta de pulverização a tempo de aplicar o defensivo sobre ela. O conceito original foi desenvolvido para aplicação de herbicidas somente sobre as plantas daninhas, porém as aplicações de inseticidas somente sobre as plantas de milho visando controle de cigarrinha apresentou economias acima de 80% na primeira aplicação quando o milho está no estádio VE. E nas aplicações seguintes essa economia vai reduzindo conforme as plantas vão se desenvolvendo e diminui a área de solo exposto.

Vale destacar que a eficiência no manejo da praga está atrelada ao conjunto de fatores e neste quesito, a genética representa enorme importância. A escolha do híbrido tolerante traz um benefício imediato ao produtor por reduzir o potencial de inóculo dos patógenos presentes na lavoura. É consenso entre pesquisadores e técnicos que o uso de híbridos tolerantes é a medida mais efetiva para o manejo dos enfezamentos do milho.

Mais de 120 genótipos de milho foram pesquisados na safra de verão 2022/2023 e safrinha 2023, o ponto preocupante é que atualmente nos ensaios, apenas 40% dos híbridos estudados se classificam em tolerantes e quando partimos para a safrinha de milho os dados são mais agravantes, pois os números de híbridos tolerantes estão próximo de 10%.

A perda de produtividade dos híbridos na presença da cigarrinha infectada é visível nos ensaios com alta infestação da praga. No ensaio de milho verão, realizado em Arapoti (PR), safra 2022-2023, com alta infestação de Dalbulus maidis desde o início de desenvolvimento da cultura, os dados analisados apresentaram correlação de 80% entre aumento do índice de enfezamento x redução de produtividade (Figura 10). A maior produtividade foi de 15.840 kg.ha-1 com índice de enfezamento de 9%, já o híbrido com menor produtividade apresentou 8.854 kg.ha-1 e índice de enfezamento de 45%.

Outro ponto relevante, é que o grupo ABC está em uma das maiores bacias leiteiras do Brasil, no ano de 2023, no período de julho a produção diária de leite nas cooperativas da região ultrapassou os 2,5 milhões de litros de leite e a silagem de planta inteira de milho é a principal fonte de alimento do bovino leiteiro.

No trabalho realizado pelo setor de Forragens & Grãos, avaliando o impacto de produtividade de massa seca das plantas de milho com sintomas de enfezamento x sem sintomas de enfezamento em 10 híbridos, a perda média de produtividade foi de 51,6%, ou seja, reduziu a produção de alimentos em mais de 50% (Figura 11). É importante salientar que neste trabalho, outro fator impactante causado pelo enfezamento foi a perda do valor nutricional da silagem associado a maiores índices de micotoxina no alimento. 

Ainda assim, a resistência genética deve ser entendida como mais uma opção no conjunto de medidas para o manejo do complexo cigarrinha-enfezamento e não como prática isolada. Assim, é importante entender o sistema de produção e o conhecimento das interações entre o inseto-vetor e o ambiente onde a cultura está inserida. 

A utilização de inseticidas, quando realizada de forma adequada, levando em consideração a presença da praga e a reação dos genótipos de milho aos enfezamentos, é opção imprescindível no manejo da cigarrinha-do-milho. Vale ressaltar que as pulverizações devem ser realizadas desde o início do desenvolvimento da cultura até o estádio de 8 folhas (V8), período de maior suscetibilidade da cultura aos patógenos transmitidos pela cigarrinha, o número de pulverizações e o intervalo entre elas vai depender da tolerância dos genótipos de milho aos enfezamentos.

 

 

 

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